Arquivo da categoria ‘Espaço do Cineclubista’

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” é um filme escrito e dirigido por Glauber Rocha. O filme começa com Emanuel e Rosa sofrendo com a seca, por conseqüência, a fome, a miséria se tornam presentes na vida desses sertanejos. Emanuel tem uma entrega a fazer, levar dezesseis vacas até o Coronel Morais. Ao chegar, quatro vacas tinham morrido picadas por cobras. Coronel Morais  diz que não vai pagar o vaqueiro. Então, Emanuel, lembrando da fome e da miséria que passa se desespera e mata o coronel.

A partir daí a saga do casal começa, fugindo da pobreza, indo à busca dos seus destinos. Vão ao encontro do beato Sebastião que se diz santo e milagreiro. O profeta promete a seus seguidores prosperidade e salvação. Ao longo da história o profeta se mostra louco, alucinado e promete o impossível ao povo, que com tanta miséria, fome e necessidades precisa ouvir algumas palavras confortadoras para continuarem suas pobres vidas. Emanuel acredita firmemente nas palavras do profeta, mas sua mulher Rosa, percebe a loucura do “falso” profeta. E depois de ver o assassinato de uma criança ela mata o beato Sebastião. Enquanto isso, Antonio das Mortes, um matador de aluguel, a mando dos latifundiários e da igreja, vai atrás do beato Sebastião e seus seguidores. Ao encontrá-los, Antonio, inicia uma chacina, deixando viver somente Emanuel e Rosa para que eles possam contar ao outros sobre a chacina.

Novamente, o casal se encontra perdido no sertão e acaba se encontrando com o bando de Corisco, cangaceiro remanescente do bando de Lampião. Corisco, sendo um homem destemido que muito sofreu na vida, batiza Manuel de Satanás e este agora tem novamente um sentido em sua vida, dessa vez completamente imerso no mundo do crime e do cangaço nordestino. Antônio das Mortes persegue de forma implacável e termina por matar e degolar Corisco, seguindo-se nova fuga de Manoel e Rosa, desta vez em direção ao mar.

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) é um dos filmes mais representativos do Cinema Novo, corrente artística liderada por Glauber Rocha, que teve como adeptos Nelson Pereira do Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues entre outros diretores. Esse movimento foi fundado por jovens cineastas nos anos ciquenta. O cinema brasileiro estava em decadência depois das falências dos grandes estúdios. Rio, 40 Graus” (1955), filme de Nelson Pereira dos Santos, abre espaço para o início deste movimento, que tinha como principal influência o Neo-Realismo Italiano e a Nouvelle-Vague Francesa. Com orçamentos baixos, a principal proposta era fazer filmes anti-industriais, bárbaros e polêmicos.
Música de Heitor Villa-Lobos, do qual Glauber era extremamente fã, cantada por Sérgio Ricardo e com letras próprias do diretor. Ganhou diversos prêmios e festivais por todo o globo. Glauber Rocha, então com 23 anos, conseguiu seu lugar na eternidade com o filme que melhor simboliza o Cinema Novo, que melhor retrata a cultura folclórica brasileira.

Considerado por muitos o melhor filme brasileiro. Deus e o Diabo exemplifica bem a personalidade de Glauber. Sujeito complicado, ambíguo, controverso. Foi mandado para o exílio pelos militares. Traiu a esquerda, apoiou Geisel. Depois traiu os militares e ninguém mais o queria. Muito polêmico, conseguiu a admiração de críticos e cineastas. O próprio Martin Scorsese nunca escondeu sua paixão pela arte de Glauber Rocha e atualmente patrocina a recuperação dos filmes do cineasta baiano.

Glauber diz sobre o filme que: “Eu parti do texto poético. A origem de Deus e o Diabo é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história, que é de verdade e de imaginação, ou então, que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente.”

O cineasta baiano é até hoje símbolo daquele que muitos entendem que é o melhor momento do cinema brasileiro. Discutiu a forma como o cinema brasileiro se apresentava as pessoas, e principalmente, a forma como ainda nos colocávamos como latinos colonizados. Dizia que era a hora de nos libertamos desse estigma.


Por Cleiton Lobo

 

E o filme da vez é “127 Hours”, ou “127 Horas”, do diretor Danny Boyle, o mesmo do filme ganhador do Oscar de Melhor Filme em 2009, “Slumdog Milionaire”.

Se você achou que “Black Swan” tinha cenas ‘intragáveis’ de auto mutilação e, portanto, saiu do cinema com o estômago revirado, então sugiro que quando for assistir “127 Horas” leve um saquinho para vômito ou, no máximo, um bom remédio para enjôo. O filme é recheado de cenas fortes, que vale a pena lembrar aquela conhecida frase “Proibido para maiores de 65 anos ou para quem tem problemas cardíacos”. Mas se você estiver a fim de encarar esse “show de bizarrice” à parte, esteja a vontade em deliciar esse Thriller com alto nível de tensão e estresse.

O filme é uma adaptação do livro homônimo escrito pelo próprio Aron Ralston (James Franco), que ao escalar o John Blue, nas montanhas de Utah, nos Estados Unidos, sem avisar a nenhum conhecido, acaba sofrendo um acidente e tendo seu braço direito esmagado por uma pedra. Foram exatas 127 horas, 5 dias e 7 horas, entre sede, fome, alucinações, chuva, sol, poeira, torniquetes, entre outras coisas, que são narradas no livro e foram traduzidas, semioticamente falando, para as telas do cinema.

A princípio mais um roteiro em que mostra até que ponto vão os limites do corpo humano e de como superá-los. No entanto, roteiro à parte, o que faz desse filme um espetáculo durante seus 93 minutos, é a trilha sonora, juntamente com a fotografia e direção de arte. Os enquadramentos em primeiro plano, que retratam situações que, normalmente, jamais passariam em nossas cabeças, mas que passam nas de quem está entre a vida e a morte e que um leve fechar de pálpebras, pode significar o seu ultimo suspiro, são fantásticos em sua velocidade de video clipe. Os takes internos que mostram Aron bebendo água, sua urina e até mesmo seu sangue, ele comendo suas lentes de contato, o interior de suas veias, a parte interna do braço, no momento em que detecta a que distância entre a epiderme e o osso, o acelerar do cabeçote da câmera, o simples registro de uma formiga a caminhar pela terra ou por ele; o interior da garrafa de água e do cano de sua sacola térmica e a sequencia final de sua angústia, são verdadeiras obras de arte de pura apreciação, como também, de pura repulsa. É um misto de ansiedade pela liberdade dele, e ao mesmo tempo uma tremenda agonia quanto às cenas mais pormenorizadas que mostram como o tempo passa len-ta-men-te para quem está naquilo. Seja para o próprio Ralston, ou para quem assiste ao filme. Temos então aí, uma boa direção, que em parceria com sua equipe de produção, edição, som, mixagem de som, montagem e por aí vai, criaram um filme eletrizante! Ah! Não posso esquecer também dos diversos enquadramentos que retratam toda a caminhada de Franco até o local fatídico, mas, principalmente, os que mostram suas alucinações e instantes que ele passa preso na pedra. São, como já disse antes, verdadeiras obras de apreciação.

A película mostra também os momentos de alucinação que Aron passa, e compara o ápice do seu limite de paciência e esperança, incluindo o tempo que falta para o desfecho do filme, com o descarregar da bateria de sua filmadora. Ele alucina o seu passado, o seu futuro e o seu presente. Vê seus familiares em diversas épocas de sua vida, como também de seus colegas de trabalho e a mulher que amava. Desculpa-se, ilustrativamente, por não poder comparecer a eventos que ocorrerão, já que pressupõe sua morte, no entanto é assim que ele arranja forças para continuar sua luta. São sequencias de cenas, que bem montadas e editadas, em vários planos e com angulações diversas, traduziram visualmente, o que o psicológico de Ralston teria passado pelo que deve ser narrado no livro, como fazem o mesmo para quem assiste esses momentos. A partir de suas alucinações iniciais, ele chega ao que eu diria ser a mais caótica. Deduz que a pedra, que prendera seu braço, o aguardava naquele local por toda a sua vida e que todos os seus atos egoístas, que cometera até então, têm sua justificativa por causa daquele objeto, que estaria pondo sua vida em risco. Uma espécie de loucura compreensível para quem está vivendo aquilo. Contudo, vale ressaltar que a sucessão de cenas finais da fenda em que a personagem real de Franco se encontra, acaba sendo, exageradamente, sensacionalista e apelativa. Não é a toa que o diretor Boyle, teve que se desculpar, em público, aos muitos que passaram mal assistindo ao filme, tendo alguns que inclusive, deram entrada em hospitais, pelas cenas bem fortes que viram. Tudo bem que no livro, os fatos tenham sido narrados com extrema delicadeza e requintes de frieza, mas quem assiste não é obrigado a passar vários minutos vendo uma mesma coisa narrada, filmograficamente falando, de maneira cruel. Por mais que muitos digam não ser para tanto, haver desmaios e adjacências.

A atuação de James Franco está ótima. Ele, com certeza, deve transparecer mesmo cada segundo de aflição e tensão que o verdadeiro Aron Ralston passou durante aquelas 127 horas preso pelo braço em uma rocha que deslizou por cima dele. As indicações que recebeu por Melhor Ator, no Oscar de 2011, e a de Melhor Ator de Drama, no Globo de Ouro 2011, são mais do que justas. Ele realmente merece esse reconhecimento por seu trabalho. Afinal, é ele quem leva todo filme em suas costas. A crítica especializada afirma ainda que, James Franco interpretou bem melhor Aron Ralston do que o próprio. Uma salva de palmas para ele, meus caros e queridos leitores! Obrigado!

“127 Hours” recebeu seis indicações ao Oscar 2011, que foram as de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Canção Original, Melhor Trilha Sonora e Melhor Montagem. Recebeu 3 indicações ao Globo de Ouro 2011, que foram de Melhor Ator de Drama, Melhor Roteiro e Melhor Trilha Sonora. E foi indicado a Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator no Film Independet Spirit Awards (FISA), que terá sua premiação na véspera do Oscar, dia 26 de fevereiro de 2011. Segundo, mais uma vez, os críticos profissionais, o filme é bastante impactante, com os diversos “cacos” problemáticos típicos da direção de Boyle, e, portanto, não deve ser levado em consideração como um forte candidato às premiações que teve. Tanto que, tirando o Oscar e o Fisa, nas do Globo de Ouro, premiação que é boa, zero!

“127 Horas”, produzido em 2010, com direção de Danny Boyle, roteiro adaptado por Danny Boyle e Simon Beaufoy, baseado no livro homônimo de Aron Ralston, com fotografia de Enrique Chediak e Anthony Dod Mantle, direção de arte de Christopher R. DeMuri, música de A.R. Rahman, figurino de Suttirat Larlarb, edição de John Harris, tem duração aproximada de 93 minutos, incluindo os créditos finais.

 

Por Ricardo Montalvão

Adentrar na cultura japonesa, para nós ocidentais, não é fácil. E é impressionante o número de pessoas, esses cults da vida, que amam tudo oriundo do Japão. Mas para sentir a essência da arte japonesa é preciso transcender. Ou como diria um filósofo chamado Martin Heidegger, “para entender o Japão é preciso morar nele”.  É de essência que podemos citar o teatro japonês, o Kabuki, ou um Rashomon, de Kurosawa (quer filme mais imagético e simbólico para pensar a arte japonesa?).

Mas quero falar de um filme muito feliz: Air Doll ou Boneca Inflável  – veja o trailer – no português, do diretor Hirokazu Koreeda. A uma simples vista, o roteiro parece não apresentar nada de especial: um garçom visivelmente comum e sem muitos projetos de vida, e sua boneca inflável que, além de servir para os desejos sexuais, é sua companheira. Mas a boneca, chamada Nozomi, começa a se humanizar, cria movimentos e descobre que o mundo é muito mais que aquela esfera inserida. Nozomi começa a explorar o bairro, já que seu ‘dono’ trabalha o dia todo, arruma um emprego e constrói laços sociais. E o diretor Koreeda não dispensa lirismo e uma excelente trilha sonora para representar essas questões.  Uma das cenas mais lindas do filme é quando Nozomi sente as gotas da chuva na palma da mão e olha para o tempo nublado. A transformação do corpo de plástico para o corpo vivo (o rompimento de fronteiras) traz o sentimento, não só de humanização, mas de percepção. E o grande desafio da personagem é sobreviver num mundo cercado de pessoas sem muitas ambições de vida, o que coloca Nozomi à frente, atemporal. Atemporal porque ela se coloca na condição de objeto e, portanto, fora de uma ordem temporal biológica, e também porque ela carrega a grade crise existencial de ser um “ser vazio”.

Outra cena bela do filme é quando Nozomi conversa com um senhor qualquer num banco de uma praça. Desabafando com o senhor de ser um ‘ser vazio’, fadada ao destino de servir apenas como objeto de uso para seu dono, o senhor a responde: mas todos nós dessa cidade somos vazios. Aqui reside a critica do filme. Lançados olhares mais críticos sobre o filme do Koreeda, podemos levantar dois pontos para análise: a questão do corpo, que é culturalmente construído – e a questão do corpo vazio e submisso; e a questão do sujeito no mundo. Tratarei resumidamente esses dois pontos, a ponto de que não venha me tornar enfadonho e de que ninguém bata no computador ou na madeira de forma assustada.

A boneca que cria vida é a grande metáfora do filme para se discutir o corpo, portanto não se assustem com o elemento fantástico, passa longe de Koreeda a ideia do filme Brinquedo Assassino do boneco que ganha vida (!). O corpo é o eixo das relações com o mundo, é dele que emanam os sistemas simbólicos, ou como diria Durkheim, o fator de individualização. Mas não me interessa entrar na sociologia do corpo. (ver David Le Breton). Convém destacar os três sintomas do corpo: 1º) o corpo num mundo que é apresentado emotivo e móvel; 2º) o corpo que é culturalmente construído; 3º) a simbiose do corpo frente às relações tecnológicas (ver Lucia Santaella ‘Corpo e Comunicação’, cap.1). Certo que o corpo é um nó de múltiplas inquietações e está diante de uma pluralidade de caminhos (acentuadamente na contemporaneidade ou a chamada pós-modernidade). Com isso, é inevitável o surgimento de novas subjetividades que são socialmente inscritas. Foucault por exemplo – falar de corpo tem que falar de Foucault – diz que o corpo preexiste como superfície, constituído de discurso. O corpo, meus amigos, também é linguagem. Ou para lembrar uma frase do Deleuze: “o corpo é aquilo no qual mergulha o pensamento, a fim de chegar ao impensado”.

O filme também levanta a discussão do corpo submisso, do corpo vazio. Lembro de uma frase do Foucault no livro Vigiar e Punir: “O corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso”. Essa frase vai de encontro às novas formas de punir no espaço do século XVIII e XIX e os castigos que tiverem o corpo como objeto para controlar suas forças. A metáfora de Nozomi submissa nos faz pensar essas questões. Mais além: Nozomi como alegoria de uma sociedade e de corpos submissos. E vazios porque não nos conhecemos, ou como diria a filosofia heideggeriana, não conhecemos nosso ENTE (suspenso no ser), não transcendemos. No mundo, é preciso transcender, conhecer a essência de nosso ‘ente’ para compreendermos o ser-no-mundo. Quantas e quantas Nozomis não estão por aí nas ruas? Não somos um pouco Nozomi?

Paralelo às questões do corpo, o filme põe em xeque a questão do sujeito, porque se o corpo é constituído culturalmente, o sujeito é constituído historicamente. Lucia Santaella tem uma brilhante fala: O corpo está sob o fantasma do sujeito. Isso porque o sujeito só se expressa por meio de um corpo para ser universalizante. O sujeito é. E não há como pensar um sujeito fora do campo da história, da linguagem, da cultura, principalmente das relações de poder. Pelo sujeito podem-se pensar novas formas de subjetivação. De um lado subjetividades em movimento (que foi pensada por Deleuze); de outro, subjetivações que são regimes de signos (o que Peirce na semiótica teorizou, e mais além: o próprio homem como um signo). O sujeito, frente ao objeto (Outro), abre as relações de identidade. E como podemos ler uma identidade em crise, numa pós-modernidade? (ver Bauman, ‘Identidade’, Giddens, ‘Identidade e Modernidade’). Ora, a personagem Nozomi carrega toda a crise de identidade da pós-modernidade. O sujeito também pode ser expresso na discussão do ser que perpassa toda a obra de Martin Heidegger, pelo viés da metafísica, hermenêutica e lógica. Através do filme Air Doll, essas e outras questões podem ser amplamente discutidas. Um filme que merece ser visto e que deve ser lido para além da historinha contada.

 

Por Rodrigo Araújo

Não há como negar. Fica difícil não torcer o nariz, ao ler a breve sinopse do filme O Vencedor (Fighter, 2010 – Imagem Filmes). A expressão mais comum permeia a cabeça de todos nós: “Pô, mais um filme de um boxeador falido?”. Sim, devo admitir, pensei algo parecido, muito antes de ter a oportunidade de ver a boa recepção da película durante a premiação do Globo de Ouro – vencedor dos prêmios de melhor ator coadjuvante (Christian Bale, que poderia ser confundido com o nome ‘A surpreendente maravilha’) e melhor atriz coadjuvante (Melissa Leo).

O entusiasmo de críticos e comentaristas despertou minha curiosidade (embora, isto venha se tornado um fator irrelevante nas minhas considerações sobre ver ou não um filme) e não pensei duas vezes em assisti-lo no cinema da minha cidade. Quase 2 horas de projeção, algo infinitamente grande para um filme que tenha uma história meia-boca. Sentei, as luzes baixaram, o projetor rodou e todas as minhas desconfianças cessaram a partir dos 10 primeiros minutos do longa. A única palavra que conseguia exprimir depois de toda esta agradável experiência foi: Sensacional!

Inicialmente, somos apresentados aos irmãos Dicky (Mark Wahlberg) e Micky (Bale) que estão participando da gravação de um documentário do canal HBO. A priori, somos levados a crer que o motivo para os lutadores de boxe (que se sustentam asfaltando as ruas da pequena cidade em que moram) participarem da tal gravação, deve-se aos feitos do irmão mais velho (Dicky) ter conseguido derrotar uma lenda do boxe e se tornar o ‘vencedor’ na disputa do título.

Aos poucos, vamos conhecendo de perto a rotina das personagens e o relacionamento deles com seus familiares. Na verdade, a família dos irmãos é a base central do comando de suas vidas. A mãe dos lutadores (a esplêndida Melissa Leo) rege com rédeas curtas a carreira profissional de Micky e é a responsável pelos fiascos do rapaz que desafia oponentes com uma preparação física bastante superior a sua.

Quando nos familiarizamos com o desenvolvimento da rotina dos protagonistas, passamos a perceber que os problemas vivenciados por ambos são muito mais interessantes, do que as situações gloriosas por que passaram. O primeiro conflito ou problema que salta aos nossos olhos é o comportamento instável de Dicky. Utilizando maneirismos que ora indicam clareza, ora transparecem uma perturbação sem precedentes, Dicky se mostra um personagem complexo e carregado de muita frustração ao ser lembrado por seus companheiros como o vencedor de um título que, algumas vezes, levanta dúvidas se realmente foi merecido.

Mesmo sendo bem quisto pela comunidade que pertence (de vez em quando ele é lembrado como um herói para os moradores), Dicky descarrega a sua frustração de viver no ostracismo esportivo, ao exigir do seu irmão constante reconhecimento como o principal responsável pela sua iniciação na vida do boxe. Transparecendo, muitas vezes, um egocentrismo e instabilidade emocional que resulta em grandes prejuízos para a carreira de Micky.

Além das intensas cenas envolvendo as relações conflituosas entre os parentes e agregados da família dos lutadores, o filme também possui como destaque as cenas de lutas que envolvem boa parte da projeção. O realismo conferido a algumas delas produz um resultado satisfatório nas telas e nos explica o motivo do diretor David O. Russel concorrer na categoria de Melhor Diretor no Oscar deste ano. O filme explora uma série de planos sofisticados, como: na abertura do filme em que Dicky ensaia os golpes que o eleveram à condição de lenda local; nas lutas filmadas em slow motion que são protagonizadas por Micky em boa parte da projeção; nas perturbadoras cenas do irmão mais velho em processo de abstinência pelo uso de drogas.

As sutis passagens de uma cena à outra revela uma montagem apropriada e bem planejada por Pamela Martin (também montadora do filme Pequena Miss Sunshine). O roteiro ficou nas mãos do trio Scott Silver, Paul Tamasy, Eric Johnson que também estão concorrendo ao Oscar de Melhor Roteiro Original.  Na direção de fotografia, o suíço Hoyte Van Hoytema mostra um resultado bastante competente e nos prova a sua segurança em realizar esta tarefa (algo que o público já presenciou no filme suíço Deixe Ela Entrar, que merece uma crítica posterior neste blog).

A soma de todos os excelentes desempenhos da equipe técnica, atores e diretores transformam o filme O Vencedor em um longa capaz de nos envolver emocionalmente e nos deixar empolgados com as sua sequencias de ação. Concorrendo a sete categorias no Oscar deste ano, o filme centra sua história nas complicadas relações familiares e utiliza as cenas de lutas como pano de fundo desta complicada relação.

Não há como deixar de destacar, as atuações do brilhante Christian Bale (mais lembrados pelos amantes do blockbuster como o mais recente Batman) e da admirável Melissa Leo (com uma extensa carreira na televisão norte-americana) que concorrem aos Oscars das categorias de Melhor Atriz e Ator Coadjuvante. Mark Wahlberg (lembrado nas telinhas da Rede Globo como o atrapalhado assassino de aluguel no filme Tiro e Queda) também transparece bastante segurança no filme, inclusive nas cenas que exigem uma grande carga de dramaticidade. Já a atriz Amy Adams mais uma vez nos dá a prova do porquê, de uns quatro anos para cá, vem se tornando uma das atrizes mais badaladas e requisitadas pelos estúdios (só observar as suas atuações memoráveis  nos filmes Julie & Julia e Dúvida).

Então, o que mais esperar? Aproveitem que o filme está passando no Cinemark de Aracaju (algo raro, já que os filmes besteirois dominam as exibições) e confiram este belo espetáculo visual. Importante ficar atento às cenas finais em que são mostrados os verdadeiros irmãos Dicky e Micky, e não deixar de comparar a atuação do Bale com a rápida aparição do efusivo Dick Eklund da vida real.

Por Andreza Lisboa

O show vai começar

Publicado: 17 de fevereiro de 2011 em Espaço do Cineclubista
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Uma pausa dramática. Vale lembrar que a pronúncia correta do título do filme é Burlesque, e não como brasileiro metido a falar inglês gosta de falar ‘Burlésque’. Embora na segunda música Cher pronuncie ‘Burlésque’, ouvindo as demais, percebe-se que é por mera entonação.

“Burlesque” conta a estória da jovem Alice (Christina Aguilera), mais conhecida como Ali, que sai de sua cidade natal Iowa e parte em direção a Los Angeles a fim de tornar-se uma cantora de sucesso. Após participar de diversos testes para tal profissão, eis que ela encontra o clube Burlesque, localizado na melhor vista panorâmica de Sunset Trip, que tem como atração principal mulheres lindas, vestidas com roupas provocantes, que dançam e cantam com playback. O clube é comandado por Tess (Cher) e que tem como seu fiel escudeiro Sean (Stanley Tucci). Tess é separada do seu marido Vince (Peter Gallagher), embora ambos continuem sócios do empreendimento.

Ao chegar na boite, Ali conhece Jack (Cam Gigandet), barman do local que a encaminha a Tess, a fim de que a moça atinja o seu objetivo. No entanto sem sucesso com a dona do local, Ali, resolve pegar uma bandeja e começa atender aos clientes por conta própria. Essa audácia da jovem, embora reprovada por Tess, faz com que a aspirante a cantora comece a trabalhar no local. Os dias passam e a personagem de Aguilera vai decorando músicas e coreografias dos números que são apresentados, e que com o afastamento de Georgia (Julianne Hough), por estar grávida, abre-se uma audição e é quando Ali aproveita a oportunidade. Ela sobe ao palco, dá seu show à contra gosto da proprietária, no entanto Tess resolve contratá-la.

Porém o clube Burlesque tem mais uma baixa em seu corpo de baile. Nikki (Kristen Bell), por beber sem limites, é proibida por Tess de se apresentar. Alice é então chamada para substitui sua colega de trabalho. Entretanto, no meio do espetáculo, Nikki desliga o som, para que Ali fosse prejudicada. O que ela não imaginava é que dentro da garganta de sua rival, existe uma voz fenomenal que ao ecoar pelas paredes do Burlesque, o publico aplaude, bastante entusiasmado, a performance da novata do grupo. Voilá! Alice assim estoura com um sucesso absurdo e o clube, que está prestes a fechar suas portas e ser leiloado, volta a ter suas mesas lotadas.

E é nesse caminho que o filme conta a estória de Alice e Tess, empregada e patroa, que se tornam grandes amigas e conseguem salvar o Burlesque da falência.

“Burlesque” marca o surgimento da cantora Christina Aguilera como atriz. E devo afirmar que nos padrões do gênero musical ao qual o filme se enquadra, Aguilera desempenhou bem sua função. Como cantora, a moça tem uma carreira, digamos que, estável, lançando seus CDs, que fazem sucesso pelo mundo a fora. Não discuto aqui se o estilo musical dela é bom ou não. Afinal não sou crítico e muito menos de música. Reafirmo apenas, que ela está convincente e deslumbrante no seu papel. Como diz a personagem de Tucci “Alice. Bem vinda ao país das maravilhas”, e ela faz sim de Burlesque, juntamente com, a consagrada atriz e vencedora de Oscar, Cher, um país das maravilhas.

O que falar de Cher? Há mais de 40 anos em carreira artística, entre aposentadorias e retornos triunfantes, nossa querida Tess, está também fantástica. Embora, não receba tanto destaque musical e coreográfico no filme. Ela só interpreta duas músicas. A primeira “Welcome To Burlesque”, em que canta e dança, e a segunda “You Haven’t Seen The Last Of Me”, com uma performance bem estática, sentada em uma cadeira, e que quando está de pé, não dança tanto. A de se frisar que a música narra a passagem sofrida de Tess com o provável fechamento do clube, portanto não necessita de uma performance coreográfica exigente. Essa canção levou para casa o Globo de Ouro de Melhor Canção Original de 2011. O papel de Cher, não é de tanto destaque, pois como fala o próprio subtítulo do filme “É preciso de uma lenda para ser fazer uma estrela”, a lenda é Tess e a estrela a ser feita, a ser construída, é Alice.

Vale mencionar aqui as atuações de Tucci, pelo excelente ator que é, à de Peter Gallagher, como o ex-marido desesperado em vender o Burlesque para o rico e famoso empresário Marcus (Eric Dane), a atuação de Gingandet, que formará par romântico com Aguilera, mas sem esquecer-se do querido e divertido Alan Cumming, que interpreta Alexis, bilheteiro da boite. Contudo, devo lamentar que não entendo o motivo pelo qual escalaram Cumming, já que só deram duas cenas a ele. Uma lástima!

Em “Burlesque” podemos notar citações e inspirações em diversos filmes. Sua inspiração maior é no filme “Chicago” de Rob Marshall, em seus números musicais, em movimentações coreográficas que se assemelham às desse filme de Rob e até mesmo na ambientação de cabaré. Há também inspiração no filme “Show Bar”, quanto à estória de uma jovem do interior que segue rumo à cidade grande em busca de fama, e sem esquecer-se do próprio filme “Nine”, também de Marshall. Já quanto às citações, temos o numero musical “Diamonds Are A Girl’s Best Friend”, que cita a interpretação de um numero musical semelhante que a estonteante Marilyn Monroe faz no filme “Os Homens Preferem As Loiras” de Howard Hawks; ao filme “Moulin Rouge” de Baz Luhrmann, no momento em que Aguilera está com seu cabelo a la “Lady Marmalade”; ao filme “La Mome Piaf” de Olivier Dahan, quando Christina está cantando “Bound To You”, música da maravilhosa Etta James – citada em um dos diálogos do filme, em que é filmada de costas e a luz frontal, tomando uma posição de contra-luz, devido à localização da câmera, menciona a cena em que Piaf, após saber da morte de Marcelo, o seu primeiro grande amor, adentra um palco cantando “L’Hymne A L’Amour”. E a ultima citação que consegui captar, na verdade não é a ultima por ser na primeira metade do filme, é a cena em que Ali está andando de motoneta com Jack, em que tem um lenço enrolado na sua cabeça e com o vento, o adereço acaba voando. É uma cena bastante clássica, no entanto, infelizmente, não me recordo do filme. Se alguém conseguir identificá-lo, por favor, esteja à vontade em mencionar.

“Burlesque” conta com cenários e figurinos majestosos, que nos levam à verdadeira época, em que esse gênero musical era realmente um estrondo nos Estados Unidos. Sim, Burlesque é um tipo de musical em que mulheres belíssimas e com roupas bem provocantes e sensuais dançavam e cantavam dublando grandes artistas femininas da época nos Estados Unidos. O que é fielmente mostrado por Antin nos números musicais, cenários e figurinos do clube. As direções de arte e fotografia também não ficam por baixo. Em seus enquadramentos, a fotografia, enriquece ainda mais o destaque das vestimentas e dos objetos cênicos, que são mostrados em cena, pela direção de arte, para que transportem o telespectador para a época em que o Burlesque era a sensação musical.

É possível encontrar alguns probleminhas no filme. O ritmo de resolução das problemáticas é bem rápido. O que nos faz crer que a batalha pelo sucesso é extremamente fácil. Há dois erros de continuidade, como por exemplo, na sequencia em que Cher faz a maquiagem de Aguilera. Tess começa a passar um batom claro na moça, em um take, e no seguinte, Christina aparece com a boca já produzida com um, bastante, vermelho. E o segundo erro é quando Tess faz, do documento de aviso prévio de despejo, um aviãozinho de papel e lança quando Sean entra em sua sala. É visível que quando ela arremeça o objeto ele vai em direção ao chão, e quando focalizam Tucci entrando na sala de Tess, o pequeno avião tem um vôo espetacular. Há quem diga que a sequencia de cenas em que Ali ouve as músicas dos números musicais do Burlesque e começa a decorar as coreografias pelo meio das ruas, seja algo fora da realidade e exagerado, mas para quem dança isso é algo bastante normal. Ou talvez, não fora de contexto, já que é comum entre dançarinos e bailarinos acordar no meio da noite para repassar variações de coreografias.

“Burlesque” foi escrito e dirigido por Steve Antin, figurinos de Michael Kaplan, direção de arte de Chris Cornwell, direção de fotografia de Bojan Bazelli, trilha sonora original de Chistophe Beck, com aproximadamente 119 minutos, incluindo os créditos finais.

 

Por Ricardo Montalvão

E o cisne voou

Publicado: 15 de fevereiro de 2011 em Espaço do Cineclubista
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Quando descobri a existência do filme “Black Swan”, ao assistir o trailer, tive todos os motivos do mundo para condená-lo já que aparentava distorcer a estória de “O Lago dos Cisnes”. Mas ainda bem que existe a redenção e posso então falar que ele me encantou do início ao fim, querendo entender os delírios de Nina Sayers (Natalie Portman).

O filme conta a estória de Nina Sayers, uma bailarina clássica, que vive na cidade de Nova Iorque, e almeja alcançar o papel principal da nova montagem de “O Lago dos Cisnes” da companhia em que trabalha. Pois bem, até aí seria um enredo normal como outro qualquer, se não fosse o mundo obscuro que rodeia nossa personagem principal. Nina, aparentemente, sofre de alucinações, mania de perseguição e auto mutilação, sem esquecer claro de um problema bastante comum no mundo das bailarinas, a bulimia.
A atriz Barbara Hershey vive a mãe de Nina, a senhora Erica Sayers. Uma mulher com seus quase 50 anos que teve de abdicar da vida de primeira bailarina da mesma companhia em que sua filha participa, para poder ser mãe. Carrega consigo a frustração pelo abandono da carreira profissional, embora ame fervorosamente sua cria. Além disso, sofre com os problemas psicológicos da garota.
Nina, com suas alucinações e delírios, conhece Lily (Mila Kunis), outra bailarina da companhia bastante parecida com ela. E então em sua mente atordoada, a senhorita Sayers começa sentir-se perseguida por Lily. Tudo isso, pois a personagem de Natalie Portman, crê que sua colega de companhia deseja tomar dela o papel principal daquele repertório de Ballet Clássico. O ator Vicent Cassel vive Thomas Leroy, o diretor artístico da montagem, que tenta seduzir Nina de todas as formas para que sua bailarina consiga interpretar o cisne negro tão bem quanto faz com o branco. Já que ele afirma que Sayers tem a fragilidade de Odette, o cisne branco, mas não a sedução e astúcia de Odille, o cisne negro. O enredo segue adentrando a estória do repertório a ser contado e como isso afeta a vida da jovem Nina Sayers.
Natalie Portman está deslumbrante no papel de Nina. Sua preparação corporal seja para interpretar uma jovem ansiosa por seu futuro e que desenvolve um distúrbio mental que a faz acreditar viver realmente uma história semelhante à que viverá nos palcos como Odette e Odille, seja como também para convencer como uma bailarina nata. Ela executa os dois lados da personagem com uma sutileza incrível de movimentos físicos, até mesmo os mais bruscos. Mila Kunis em sua incrível semelhança com a atriz principal, transpõe toda a força e sedução da personagem Odille em O Lago dos Cisnes, para a vida de Nina, fazendo com que a garota se afunde ainda mais em seus delírios. Barbara Hershey e Vicent Cassel estão fabulosos em seus papéis. Ela, uma mãe desnorteada por uma frustração profissional e desesperada por curar as loucuras da filha. E ele, um professor e diretor bastante exigente, que se usa de artifícios não tão corretos, para que sua primeira bailarina encarne realmente as duas personagens da estória. E por ultimo, e de maneira proposital, temos a atuação de Winona Rider, que interpreta Bethy Macintyre, a ex-primeira bailarina da companhia que acabara de perder o papel principal, por estar velha e a companhia precisar de mulheres mais novas. Bethy ao ser recusada pela companhia, contribui para a loucura de sua rival, infernizando muito bem a vida de Nina.
O início do filme se dá durante um sonho de Nina, meio que um prenuncio do que ocorrerá a jovem. Ela sonha consigo própria dançando a variação, ou seja, uma sequência de movimentos, do cisne branco com o vilão da estória que começa a perseguí-la. Nessa hora temos uma iluminação predominantemente verde, que pode ser traduzida pela personalidade dualista da garota. Que varia entre a apatia, causada pelo azul que é presente na cor verde, e a agressividade da cor vermelha. Embora não haja vermelho na junção que resulta na cor verde, temos o amarelo que é uma cor presente na família das cores quentes, a qual a cor vermelha é o carro chefe. Temos também excelentes enquadramentos da filmagem, enquanto são gravadas as cenas em que todos os bailarinos da companhia ensaiam as coreografias. E destaco principalmente as filmagens do ultimo ato de O Lago dos Cisnes.
A trilha sonora do filme é a mesma usada no repertório, cuja autoria é do maestro Piotr Ilyich Tchaikovsky, com adaptação de Clint Mansell e Matt Dunkley. Adaptações bem apropriadas, sem destruirem a obra principal.
“Black Swan”, produzido em 2010, tem direção de Darren Aronofsky, roteiro de John McLaughlin, direção de arte de David Stein, e fotografia de Matthew Libatique. O filme tem duração aproximada de 108 minutos, incluindo os créditos finais.

Kaufman é de longe um dos roteiristas que mais goza de prestígio, ao menos por minha parte. Talvez porque eu ainda mantenha meu estilo nerd loser (mas só poucos muito poucos sabem disso). Tudo bem, em conversas com diversos amigos, pago pau pra ele sem medo, Roteirista de vários filmes fodas (perdão pelo jargão chulo, mas não tem como tratar de outra maneira), como Quero ser John Malkovitch, ou Brilho Eterno de uma mente sem lembrança.

Kaufman entende muito bem os dramas humanos e é capaz de deixar a película com histórias muito profundas e pesadas, Em Adaptação, por exemplo, vemos Kaufman, na pele de Nicholas Cage enfrentando seus próprios demônios tentando “se adaptar” ao mercado, fazer o roteiro de um livro, as diversas etapas mostram bem como funciona esse tipo de drama, Adaptação é o mais próximo que achei para definir Synecdoche, Nova York.

Nesse filme, Kaufman estréia como diretor. E que estréia. Um filme de mais de duas horas, completamente sombrio, que vai ao fundo dos dramas humanos. Com um elenco que conta com Atores como Phillip Seymour Hoffman, Samantha Connor, Michelle Willians, Emily Watson. O elenco por si só já é de uma beleza descomunal, no filme é que nós percebemos a sutileza do roteirista na direção.

Synecdoche, conta a história de Caden Cottard, um roteirista fracassado, deprimido, hipocondríaco que passa por problemas no casamento, perdendo sua esposa e sua filha que vão viver na Europa. Cottard depois de uma crise tem uma idéia de montar uma peça sobre a Vida Real, a vida dele mesmo, o filme passa boa parte do tempo fazendo essa construção alegórica da peça com personagens interpretando o cotidiano inspirado em pessoas da convivência de Kaufman.

Em determinados momentos do filme, o ator (que interpreta Cottard) se caracteriza de tal forma com ele mesmo que aos poucos perdemos a noção de identidade do que é real e do que é fictício. Cottard na verdade é o próprio Kaufman e isso fica cada vez mais claro quando penetramos mais longe na história, Não achem que é um filme trivial apesar do começo, os ziguezagues da história levam a desfechos imprevisíveis, o final lhe dá uma profunda sensação de solidão, questionando os próprios dramas.

Synecdoche, NY é para mim, um dos 05 melhores filmes da década (digo isso sem medo), ficou curioso? Assista e não duvide, o filme abre pano pra discussões que durarão meses.

Por Rafael Gomes

Beleza Americana é um dos poucos filmes que você dá prioridade a quem está no roteiro. O filme se converge pelo seu realismo instantâneo e pelo seu título que se leva pela metáfora. American Beauty é uma rosa americana que não tem cheiro, é muito comum ser cultivada nos EUA, assim, uma síntese sobre o vazio do americano comum.

O filme mostra o destino do narrador-personagem que se consagra como Narrador-Defunto (como no livro de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas) atuado por ninguém menos que Kevin Spacey, que está impecável nesse filme, e ainda Annet Benning interpretando de uma forma tão espontânea a sua personagem à beira do caos, tudo está perfeito até então. Com o desenrolar do filme nos deparamos com a grande quantidade de melodramas cotidianos que enfrentamos, tais como algo que é tão tabu quanto a masturbação, a infidelidade, questionamentos sobre beleza.

E é sobre esse paradigma de beleza que o filme deseja quebrar o “sonho americano” da perfeição que se vislumbra sobre ironias e certas tiradas envolvidas sobre um humor negro. Ao desenvolver você percebe situações que desencadeiam a infelicidade dos personagens com grande exaltação para atingir seus objetivos , mas se vêem no empecilho do dia a dia , seus preconceitos , suas responsabilidades e disciplinas que vão sendo esvairadas gradativamente.

O roteiro do grandioso Allan Ball se iguala com perfeição a direção de Sam Mendes, que poderia ter levado bem mais Oscars por um grande feito, um filme que as vezes se confunde com a estética européia em todos os aspectos.
É uma película muito rara , com objetividade , completa pela frieza dos seus personagens mórbidos e suas intrigantes maneiras de viver , foi um marco para o cinema , que bem antes de acontecer o trágico dia de 11 setembro , já pregava nos muros dos Estados Unidos uma triste representação da sua sociedade em decadência , a paranóia e a pobreza de espírito destes que a pertence, e nada mais cômico do que o fato do filme ser dirigido por um inglês.
É um filme chocante e aterrador, daqueles para você ver e rever.

 

Por Rodrigo Menezes

A história de todos nós?

Publicado: 29 de janeiro de 2011 em Espaço do Cineclubista

 

“Não saí ileso do filme e não consigo sair”, em boa parte das vezes em que assisto: O curioso caso de Benjamin Button. Um blockbuster Hollywoodiano da melhor qualidade. Apesar de não me considerar um crítico e nem um mega entendido de filmes, não busco em meus textos analisar conceitos estéticos e análises homéricas sobre determinados enredos, mas já que adentrei ao cineclube, esse filme me parece especial ainda que já tenha assistido há quase 02 anos.

É difícil não se envolver com o roteiro de Roth e a direção impecável de David Finch (Seven, e o magistral Clube da luta), mas em Benjamin Button, o diretor soube extrair do livro homônimo de Fitzgerald uma sutileza quase imperceptível – O drama. O drama de viver uma vida que todos nós vivemos. Uma histórica que cada um de nós possui convivendo com alegrias, tristezas, chegadas e partidas.

O curioso caso de Benjamin Button, conta a história de Benjamin, um homem que nasceu em circunstâncias pouco comuns se comparadas com outras pessoas. Nasce idoso e, quando poucos acreditam em sua sobrevivência, ele vive e rejuvenesce, mas vê seus conhecidos e queridos seguirem em direção contrária assiste os acontecimentos do séc. XX como uma testemunha ocular, se envolvendo em todos os sentidos, um homem com uma vida incrível.

Eu poderia dizer que é um filme que fala sobre a solidão, mas no fundo não parece que a vida nos é isso mesmo? Uma profunda solidão. Quantos de nós, mesmo rodeado de famílias e amigos estamos sozinhos, não beirando a depressão, mas vez ou outra esta sempre assim, O Benjamin do livro é um homem que anda de trás para frente no relógio humano, que percebe que sua história começa grande e termina em páginas de um diário.

O Benjamin do filme, interpretado por Brad Pitt é criteriosamente o mesmo de Fitzgerald, com uma pitada de envolvimento talvez muito mais especial do ator à trama. Brad Pitt vive a cada cena o Benjamim que se distingue dos outros com que convive, esbanja maturidade aos 18, quando aparenta 60 anos de idade (quando passa um tempo viajando pelos mares da Europa). Mostra-se frágil aos 60 anos quando aparenta 18, num compasso muito especial onde a juventude e a velhice não são somente um estado de espírito.

Kate Blanchet, que dá vida à Daisy, amor de infância e por toda a vida de Benjamim se mostra mais que perfeita para o papel. Vigorosa, firme, Alguém que não gosta de saber que vai envelhecer, mas aprende que a vida funciona dessa forma e descobre que em seu destino, Benjamim a salva de todas as maneiras possíveis.

Quase 03 horas de filme te esperam em Benjamin Button, cansativo? Talvez, ainda não viu? Assista, deixe-se levar pelo estranho caso de Benjamim, assista aos fatos do séc. XX perceba que a solidão é mais comum entre os homens do que imaginamos, também vai perceber que a vida e o amor é o que nos torna humanos, não importando o tempo em que vivamos.

 

Por Rafael Gomes

Filmado no subúrbio de Recife, o filme Amarelo Manga tem como ambiente a sociedade paralela, marginalizada recifense. O filme não mostra a praia da Boa Viagem, um dos principais cartões-postais de Recife, mostra o estado de anomia que permeia a população da periferia, aquelas nas quais a falta de riqueza e oportunidades é permanente. Ali, formam-se personalidades que são produtos dessa construção social corrompida por inexoráveis razões históricas, em que conceitos de ética e moral, certo e errado, são resultados de um discurso permanente (em que se procura o “defeito do sujeito” ao invés do “defeito do sistema social”) que constrói um inimigo conveniente para a sociedade: os próprios seres marginalizados.

O filme foge dos clichês de luta de classes ou de polícia e bandido, no Amarelo Manga é apresentado um dia do lumpemproletariado, cidadãos que vivem na miséria, desvinculados da produção social, com escalas de valores baseadas no ganho individual, tendo como necessidades básicas “estômago e sexo”, desejando apenas sobreviver tentando resolver seus problemas sozinhos ou através da fé e não politicamente ou de forma organizada.

Dunga, que pode ser definido como o personagem central do filme (já que ele entrelaça quase todas as histórias)  é apaixonado por Welligton Kanibal, que é casado com Kika e tem um caso com Dayse. Dunga, se aproveitando da informações recebidas tanto por Dayse, quanto por Welligton, entrega uma carta anônima para Kika, para causar o fim dos relacionamentos. Dunga, maquiavélico, acredita que com o fim do relacionamento de Welligton com as duas mulheres, conseguiria o homem para si, os fins justificam os meios, ou em suas palavras, ‘bicha quer, bicha faz”.

O triângulo amoroso demonstra uma situação comum no filme: as aparências enganam. Kika, a evangélica, mostra-se uma pervertida pudorenta (confirmado pela cena onde o próprio diretor do filme, Cláudio Assis, aparece e sussurra em seu ouvido: o pudor é a forma mais inteligente de perversão), Welligton, o típico homem ignorante e machista, respeita moralmente sua mulher, apesar de traí-la, Dayse, a “mulher viciada em homem casado”, não gosta da situação e quer acabar com a relação já que Welligton não cumpriu o que prometeu, abandonar Kika. Esta situação também se repete no bar Avenida, em que a dona do bar, Lígia, “parece puta, mas ninguém aqui comeu ela”.

Kika, uma evangélica fervorosa, em uma das cenas é chamada por algumas crianças de Kika Kanibal, apelido do marido, Welligton Kanibal. Indignada, reclama com o marido na hora do almoço e depois conta a história da mulher que traía o marido, aproveita e manifesta  seu repúdio à traição. Quando Kika descobre a traição do marido e o encontra com Dayse onde a carta de Dunga dizia, ela ataca o marido e depois vai para cima de Dayse, arrancando sua orelha com a boca e cuspindo apenas o brinco fora, tornando-se, literalmente, uma canibal.

Kika, encontra-se com Isaac na rua depois da briga e eles vão para a cama. Kika, que vivia cheia de pudor, agora aparece nua, transando sem pudores com Isaac. Demonstrando sua completa desvinculação com seus antigos valores, ela se transforma em uma pervertida que sente prazer ao introduzir uma escova de cabelo  no ânus de Isaac.

O filme possui uma estrutura quase circular, começa como acaba. Na primeira cena, Lígia acorda em seu quarto e vai abri as portas do bar enquanto fala em off sobre a passagem do tempo, “Às vezes eu fico imaginando de que forma que as coisas acontecem. Primeiro vem o dia. Tudo acontece naquele dia. Até chegar a noite, que é a melhor parte. Mas logo depois vem o dia outra vez, e vai, vai, vai, e é sem parar.”, no final do filme volta-se à cena de Lígia abrindo o bar Avenida, mas, com uma pequena diferença, ela não fala mais em off, fala diretamente para a câmera, as mesmas palavras.

Após a cena inicial do filme, vemos Issac dirigindo pela cidade e ouve-se no rádio do carro “Dona de casa muito respeitável encontrou seu marido com amante. Ai a coisa ficou preta. Ela, uma evangélica, partiu para cima da fulana e foi um tal de Deus nos acuda. Resultado: a amante no hospital, ferida, e a corna ninguém sabe, ninguém viu.” na hora, isto parece não ter importância, mas ao desenrolar do filme, percebemos, de forma vaga, os fatos que ocorrerão com Kika, Welligton e Dayse.  No final, quando termina a cena de Lígia, não mais volta-se para Isaac no carro, o dia 16 de junho já passou, mas sim, passam-se várias cenas do lumpemproletariado de Recife em mais uma manhã de trabalho e depois aparece Kika, em transe no meio de tudo isso, jogando sua aliança fora enquanto se dirige para um salão de beleza, em que ela pede “arranca tudo e pinta”, quando perguntada sobre a cor, responde: amarelo manga.

O ciclo se fecha para recomeçar, só que com novos personagens, desconhecidos da trama, mostrando a semelhança dos dramas cotidianos. A história de Kika é só mais uma repetição insignificante. Assim como a vida de Lígia, que se repete no memo bar, com os mesmos clientes, todos os dias, sem nada mudar.

 

Por Thiago Almeida