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Filmado no subúrbio de Recife, o filme Amarelo Manga tem como ambiente a sociedade paralela, marginalizada recifense. O filme não mostra a praia da Boa Viagem, um dos principais cartões-postais de Recife, mostra o estado de anomia que permeia a população da periferia, aquelas nas quais a falta de riqueza e oportunidades é permanente. Ali, formam-se personalidades que são produtos dessa construção social corrompida por inexoráveis razões históricas, em que conceitos de ética e moral, certo e errado, são resultados de um discurso permanente (em que se procura o “defeito do sujeito” ao invés do “defeito do sistema social”) que constrói um inimigo conveniente para a sociedade: os próprios seres marginalizados.

O filme foge dos clichês de luta de classes ou de polícia e bandido, no Amarelo Manga é apresentado um dia do lumpemproletariado, cidadãos que vivem na miséria, desvinculados da produção social, com escalas de valores baseadas no ganho individual, tendo como necessidades básicas “estômago e sexo”, desejando apenas sobreviver tentando resolver seus problemas sozinhos ou através da fé e não politicamente ou de forma organizada.

Dunga, que pode ser definido como o personagem central do filme (já que ele entrelaça quase todas as histórias)  é apaixonado por Welligton Kanibal, que é casado com Kika e tem um caso com Dayse. Dunga, se aproveitando da informações recebidas tanto por Dayse, quanto por Welligton, entrega uma carta anônima para Kika, para causar o fim dos relacionamentos. Dunga, maquiavélico, acredita que com o fim do relacionamento de Welligton com as duas mulheres, conseguiria o homem para si, os fins justificam os meios, ou em suas palavras, ‘bicha quer, bicha faz”.

O triângulo amoroso demonstra uma situação comum no filme: as aparências enganam. Kika, a evangélica, mostra-se uma pervertida pudorenta (confirmado pela cena onde o próprio diretor do filme, Cláudio Assis, aparece e sussurra em seu ouvido: o pudor é a forma mais inteligente de perversão), Welligton, o típico homem ignorante e machista, respeita moralmente sua mulher, apesar de traí-la, Dayse, a “mulher viciada em homem casado”, não gosta da situação e quer acabar com a relação já que Welligton não cumpriu o que prometeu, abandonar Kika. Esta situação também se repete no bar Avenida, em que a dona do bar, Lígia, “parece puta, mas ninguém aqui comeu ela”.

Kika, uma evangélica fervorosa, em uma das cenas é chamada por algumas crianças de Kika Kanibal, apelido do marido, Welligton Kanibal. Indignada, reclama com o marido na hora do almoço e depois conta a história da mulher que traía o marido, aproveita e manifesta  seu repúdio à traição. Quando Kika descobre a traição do marido e o encontra com Dayse onde a carta de Dunga dizia, ela ataca o marido e depois vai para cima de Dayse, arrancando sua orelha com a boca e cuspindo apenas o brinco fora, tornando-se, literalmente, uma canibal.

Kika, encontra-se com Isaac na rua depois da briga e eles vão para a cama. Kika, que vivia cheia de pudor, agora aparece nua, transando sem pudores com Isaac. Demonstrando sua completa desvinculação com seus antigos valores, ela se transforma em uma pervertida que sente prazer ao introduzir uma escova de cabelo  no ânus de Isaac.

O filme possui uma estrutura quase circular, começa como acaba. Na primeira cena, Lígia acorda em seu quarto e vai abri as portas do bar enquanto fala em off sobre a passagem do tempo, “Às vezes eu fico imaginando de que forma que as coisas acontecem. Primeiro vem o dia. Tudo acontece naquele dia. Até chegar a noite, que é a melhor parte. Mas logo depois vem o dia outra vez, e vai, vai, vai, e é sem parar.”, no final do filme volta-se à cena de Lígia abrindo o bar Avenida, mas, com uma pequena diferença, ela não fala mais em off, fala diretamente para a câmera, as mesmas palavras.

Após a cena inicial do filme, vemos Issac dirigindo pela cidade e ouve-se no rádio do carro “Dona de casa muito respeitável encontrou seu marido com amante. Ai a coisa ficou preta. Ela, uma evangélica, partiu para cima da fulana e foi um tal de Deus nos acuda. Resultado: a amante no hospital, ferida, e a corna ninguém sabe, ninguém viu.” na hora, isto parece não ter importância, mas ao desenrolar do filme, percebemos, de forma vaga, os fatos que ocorrerão com Kika, Welligton e Dayse.  No final, quando termina a cena de Lígia, não mais volta-se para Isaac no carro, o dia 16 de junho já passou, mas sim, passam-se várias cenas do lumpemproletariado de Recife em mais uma manhã de trabalho e depois aparece Kika, em transe no meio de tudo isso, jogando sua aliança fora enquanto se dirige para um salão de beleza, em que ela pede “arranca tudo e pinta”, quando perguntada sobre a cor, responde: amarelo manga.

O ciclo se fecha para recomeçar, só que com novos personagens, desconhecidos da trama, mostrando a semelhança dos dramas cotidianos. A história de Kika é só mais uma repetição insignificante. Assim como a vida de Lígia, que se repete no memo bar, com os mesmos clientes, todos os dias, sem nada mudar.

 

Por Thiago Almeida